segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Dona Lila (janeiro de 1919 - fevereiro de 2009)...Adeus!


Foi na sala da casa de Dona Lila, num domingo à noite, que o Pique, então com quatro anos, me disse:

- Clara sabe porque eu não tenho medo do escuro?
- Não, por que?
- Porque eu tenho pai.

Sempre me lembro disso. Nós mulheres construímos o que nossos filhos chamam de lar, feito de maciezas, doçuras, mornuras. Lar que nossas crianças só entendem completos se defendidos pela força que eles vêem no homem que temos e que, quando não temos mais, não os abandona. Pro menino, pra menina, o colo do pai é tudo, é o resumo do lar providenciado pela mãe. Aquele lugar que, conforme a hora, cheira a sabonete, cheira a temperos e roupas recém lavadas. O quintal de sombras, frutos e borboletas. No de Dona Lila, contaram-me, tinha uma goiabeira, tinha uma jabuticabeira. Tinha.

Na sala de Dona Lila tinha um tapete novo, batizado pelo vômito de um rapazinho travesso na sua primeira bebedeira.

Na cozinha de Dona Lila tinha uma mesa comprida, onde os gostos dos filhos eram sempre atendidos. Um deles só comia carne bem macia. Nada de carne de panela. Um gostava de mais caldo, outro de mais feijão. No jantar, Dona Lila preparava deliciosas sopas. Tive a sorte de provar várias delas. Já velhinha, insistia em fazê-las, mesmo apoiada numa bengala, me contaram.

Foram poucos encontros meus com Dona Lila. Mas todos de muita conversa. Nunca nos faltou assunto. Também poucas vezes nos falamos por telefone. Eu sempre me admirava da vitalidade que ela tinha na voz. Uma voz jovem dentro de um corpo bem fragilzinho.

Durante alguns Natais ela mandou de presente cinquenta reais para a Bebel, quando equivaliam a 50 dólares. No deste ano, mandou alguns panos de pratos que bordou. Afinal, Bebel já é dona-de-casa! Me contaram que foram dezenas os panos de prato que Dona Lila bordou no ano passado.

Dona Lila teve uma vida longa. Um companheiro de toda a vida. A filha mais velha tocava piano. A mais nova, uma flor de pessoa. E entre uma e outra, os meninos. Quando o marido era vivo tinha uma chácara. Na chácara tinha um campinho, onde flhos e netos ensaiavam um futebol. Foi lá que eu conheci um bebê chamado Samuel, gente grande hoje em dia.

Vida longa. Muitas alegrias e tristezas também, as próprias, as dos filhos, as dos netos e bisnetos. Dona Lila, de repente ficou muito fraquinha, me contaram. E, cercada de muita atenção e afeto se foi. Disse adeus para esse mundo. Viverá agora nos que ficam, enquanto por aqui estiverem. Saudades.

Ilustração: Dona Lila, desenho do Dinho, a partir de foto feita por ele.

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