
Agosto de 2007A vida que construí e vivi, por melhor ou pior que tenha sido, terminou. Mudar de novo. Lembro do quão difícil foi mudar há cinco anos e ao invés de calma, sinto medo. Tento evocar a calma depois desse medo inicial e ela nem sempre vem. Tento fazer bom uso da experiência.
Mudança, deixar o que foi minha casa por 3 anos, lugar que eu gosto, onde é bom morar. Adoro até o dono da venda da esquina. Adoro sair dali e ver muita gente na Chausée de Wavre, todos aqueles buracos vendendo tudo quanto é coisa. Perucas, apliques, salões afros, mandioca e quiabo. Daí penso: nunca comprei nem mandioca nem quiabo ali. Tudo bem. O que importar era que estavam ali, à mão, junto daquilo tudo.
Passo à Chaussée d'Ixelles e outros tudos estão ali. Roupas, o que precisar. Poderia viver sem sair daquela rua. Só não posso contar quantos idiomas escuto naquele pedaço de cidade porque não sou capaz de reconhecer e diferenciar todos os idiomas do mundo. Um novo por metro quadrado.
Cinemas: UGC e o padrão sempre certeiro, Vendôme e sua aposta nas diferenças: festival do cinema do mar. Algo assim vi uma vez. Essa foi uma esquisitice que eu não cheguei a pagar pra ver. Flagey e seu estilo alternativo chic e até o Styx; onde fui uma única vez pra nunca mais voltar. Não parece cinema de tão pequeno. Tudo isso só a alguns metros de onde eu fui morar.
Croissants, tarte aux mirtilles, eclair au chocolat. Domingo era dia de bolo ou de presunto italiano e queijos. Às vezes tomate seco e tulipas pro meu vaso amarelo no canto escuro da sala. Exki e milhares de sanduíches que foram meus milhares de almoços indo pro conservatório. Muitas vezes atrasada, algumas vezes com tempo de sentar no Petit Sablon para comer.
Conservatório, petit sablon, grand sablon e o pain cotidien, luxo eventual. Biblioteca, prédio caindo aos pedaços, muitas vezes eu só na sala de leitura, cinzenta, velha, porém mantida de pé. Mega Copy e minhas mil cópias de partituras que ainda não terminaram. Anos indo ali e não sei o nome daquele moço. Ele insiste em me enganar com o preço e eu já não sei como reagir à mesma brincadeira há cinco anos. Basicamente foi esse meu mundo cotidiano. Alguns km de extensão. excessões, sim, mas esse era o básico.
Rue Longue Vie à noite com bêbados, de manhã com bêbados diferentes ou não. Maconha à venda e à prova de coragem. Não, não, não estou procurando nada. Esse é apenas o meu caminho pra casa.
Ah ! mas ao lado está Saint Boniface e o Ultime Atome abarrotado de gente. Vamos sair ? Ultime Atome. Por que ? Não sei. Por ser perto, por ser em St. Boniface. Tem também o Mano a Mano com suas garçonetes bonitas (isso com certeza é pré-requisito ali) e suas massas, bon marché, sympa. Fui alguma vez comer uma tajine ali perto. Muito gostoso, muito aconchegante. fui feliz com vinho da Tunísia.
Voltando ao Sablon, o idefectivel e antipatico Café Leffe. Muitos after klasconcert ali. Tem também o Le Forestière, onde se pode comer algo sem se sentir assaltado. L'entrée des artistes, o preferido do Sigiswald Kuijken e onde me despedi do Bart Coen pela metade. Tenho que consertar isso.
Onde mais eu ia ? Centro ? Rue Neuve ? La Monnaie ? BOZAR! Sim, agora é com z. Não dá pra ser só em francês se a grana toda vem do outro lado. Peraí... Bozar e muitos concertos. Bozar trabalho, conhecer algumas pessoas, nada que tenha ido pra frente, mas tudo bem. Bozar e virar página em concerto alheio: nunca mais ! Nunca mais faço isso, credo! Basta sofrer pra tocar. Sofrer em concerto pra nem tocar, não dá.
Musée du cinema. Cinéfilos mal cheirosos no verão, no inverno... aliás, acho que o frequentei menos no verão. Terá sido intuitivamente pelo mau-cheiro ? Cinema mudo. Metropolis de Fritz Lang com super pianista ao vivo. Chaplin com pianista comum. Muitos Fellinis e outras coisas mais ali. Coisas que nunca teria visto. que bom, que bom...
Isabel Favilla
04 de junho de 2008
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